Como já falamos aqui no Carango, o Uno está para dar adeus ao mercado nacional. No entanto, o fim da produção não significa que ele deixará de ser querido pelo brasileiro. Afinal, foram 37 anos de história no mercado nacional, em duas gerações distintas, o que o fez um dos modelos mais comuns de vermos nas ruas e avenidas de Sergipe e do Brasil. E, claro, com quase quatro décadas de estrada, não falta curiosidade para ser contada sobre ele. Entre origens “chiques”, criação do carro popular, motores turbo e “roda quadrada”, o Uno carregou de tudo um pouco.
Vamos a elas?
Grife italiana e precursor de tendências
O Uno é da Fiat, que é uma marca italiana, assim como suas linhas tem a mesma origem. A primeira geração dele – ou seja, o design original do modelo – tem origens, digamos, nobres. Foi desenhada no estúdio italiano ItalDesign, do renomado projetista Giorgetto Giugiaro. Se as linhas quadradas parecem algo datado, quando ele foi concebido era bastante moderno e – acredite! – aerodinâmico. Lembra que os primeiros Unos tinham a maçaneta “para dentro” da porta? Isto já era um cuidado com a aerodinâmica.
O design dele guardava outras curiosidades. Apesar do apelido de “botinha ortopédica” as linhas quadradas e altas tinham sua função: com 3,64m de comprimento e 2,36m de entre-eixos, ele tinha os assentos em posição elevada e teto mais alto para oferecer melhor espaço interno. Os bancos dianteiros também eram elevados em relação ao assoalho, o que liberava espaço para o pessoal de trás. Essa “altura maior” do interior era chamada por Giugiaro de “ponto H alto”. E aí, com isso, lá no começo dos anos 80 o Uno já introduzia conceitos que seriam copiados décadas mais tarde pelas minivans e alguns SUVs.
Familiar à brasileira
O modelo chegou ao mercado nacional em 1984 visando ser um veículo popular, algo que ele também era no Velho Continente. Mas, diferente de lá, no Brasil um popular muitas vezes é o carro para todos os usos possíveis em uma família. Com isso, a Fiat nacional promoveu algumas mudanças: o estepe saiu do bagageiro para o compartimento do motor, o que deu algum espaço para o porta-malas e a suspensão traseira recebeu outro arranjo.
No modelo europeu, o conjunto usado era de barra de torção com molas helicoidais, ao passo de que o nacional permaneceu com braços independentes interligados por um feixe de molas transversal, mais resistente. Isso trouxe uma característica única para o brasileiro durante toda a primeira geração: carregado, o curso das rodas fazia com que elas ganhassem cambagem negativa. Ou seja, quanto mais peso o uno tinha que carregar, mais as rodas traseiras ficavam arqueadas para dentro.
O primeiro popular
No início dos anos 90, o governo aprovou a legislação do carro popular, que reduzia o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para veículos de até 1.000 cm³ (ou, em outras palavras, carro 1.0). Àquele momento, apenas um veículo no mercado entrava nessa faixa, que era o BR-800 da Gurgel. Vendo essa possibilidade, a Fiat retrabalhou o motor 1050 que equipava o Uno desde 1984 (e que era o mesmo do Fiat 147) para 984 cm³. Com isso ele finalmente entrou na legislação e foi o primeiro popular de uma grande montadora oferecido no mercado.
Claro que as alterações tiveram seu preço. Com apenas 48 cv e 7,4 kgfm, o Uno 1.0 não era um primor de desempenho, mesmo pesando menos de 800 kg. Além disso, ele era “pelado” ao extremo, tendo itens que hoje são obrigatórios como opcionais, a exemplo do espelho retrovisor do lado direito e encostos de cabeça para os ocupantes da frente.
E, não bastasse ser o primeiro popular, ele também tornou comum nos populares as quatro portas. Se hoje todo carro no mercado as tem, até o começo dos anos 90 os carros de quatro portas tinham a pecha de “coisa de táxi”. Porém aos poucos isso foi se tornando comum e foi o Uno que, a partir de 1992, introduziu isso nos populares.
Turbinado
Hoje o que não falta no mercado nacional é carro com turbo no motor para render mais desempenho aliado a economia (o chamado downsizing). Que o digam Jetta GLi, o finado Up! TSI, Chevrolet Onix, Hyundai HB20 e tantos outros. Mas quem começou com essa ideia no Brasil? Pois é, o Uno.
Houve versões esportivas como os 1.5R e 1.6R, é verdade, mas o Uno Turbo 1.4 i.e. foi o primeiro nacional com esse tipo de propulsor de série. O motor de 1.372 cm³ vinha importado da Itália, equipado com uma turbina com 0,8 bar de pressão, suficiente para entregar 118 cv e 17,5 kgfm, junto do baixo peso de 975 kg. Com isso ele tinha números para dar uma suadeira em muito sedã médio atual: 0 a 100 km/h em 9,2 segundos e máxima de 195 km/h. Para dar um toque esportivo a mais, ele ganhava um kit aerodinâmico mais agressivo e os freios eram emprestados do Tempra. Com apenas 1.081 unidades feitas, ele se tornou carro raro de se ver e, claro, muito desejado.
Off-road leve
A Fiat já havia trazido a proposta de “off-road leve” ao mercado com as versões Trekking da Fiorino (que era derivada do… Uno) e popularizou o conceito com a Palio e Strada Adventure. Mas e quem quisesse isso num Popular? Pois é, conseguia achar no Uno.
Em 2006 surgiu o Uno Way. Com uma proposta similar, porém adaptada aos custos mais básicos do popular, ele era uma espécie de “Adventure básico”. O pacote trazia suspensão um pouco elevada, pneus de uso misto, apliques plásticos na caixa de roda e adesivos alusivos à versão nas laterais. Isso só fez reforçar uma curiosa capacidade de fora-de-estrada “light” que ele possuía, algo reforçado por inúmeros vídeos que aparecem redes sociais afora. Na geração seguinte do modelo a versão se manteve, já com um apelo estético maior.
Fase dois
Falando em “geração seguinte do modelo”, em 2010 o Uno se renovou, trazendo um desafio para a Fiat: como renovar um modelo que era conhecido por ser “quadradinho” sem perder sua principal característica? Eis que a segunda geração foi apresentada apostando no conceito do “round square” ou “círculo arredondado”. Dessa forma, ele seguiu com as linhas quadráticas que tanto o caracterizavam, porém com os cantos arredondados e um design geral totalmente novo. E que se manteve no mercado por mais 11 anos!
Start-stop e rodas quadradas
Se o Uno trouxe para os populares novidades como o motor 1.0 e as quatro portas, por que não poderia trazer algo tecnológico? Foi o que a versão Evolution trouxe em 2014, junto da primeira atualização visual: o sistema start-stop.
Presente na versão 1.4, a novidade desligava e religava o motor em paradas prolongadas. Foi o primeiro compacto nacional a ter o equipamento de série, uma vez que o recurso era reservado a carros importados ou de luxo.
E já nos últimos anos de vida do modelo, a Fiat decidiu levar o conceito de quadrado ao extremo, fazendo rodas quadradas. “Peraí, rodas quadradas, como assim?”, você deve estar perguntando. Calma, a marca italiana não enlouqueceu.
O que ela fez foi, na última reestilização da segunda geração, ocorrida em 2017, incluir a nova família de motores Firefly (1.0 de três cilindros e 1.3 de quatro) bem como itens bem incomuns aos populares, como assistente de partida em rampa, direção elétrica ou controle de estabilidade antes desse ser obrigatório. E, como “plus”, trouxe as tais rodas quadradas na versão Sporting 1.3. Elas tinham aros escurecidos com raios diamantados em forma de quadrados, dando a impressão de que a roda também era quadrada. Complementando o estilo, havia a curiosa saída central de escape.